O NÃO CUMPRIMENTO DE DECISÕES E ORDENS JUDICIAIS

22/06/2010 14:29

O ESTADO E O MST

O NÃO CUMPRIMENTO DE DECISÕES E ORDENS JUDICIAIS

"A passividade de todos perante invasões, adredemente preparadas e alardeadas com antecedência, não se justifica. Os mandados de reintegração de posse não cumpridos pelos governadores fazem de todos os advogados ridículos portadores de um pedaço de papel que nada vale."

 

É triste e doloroso verificar-se o quadro caótico em que se encontra o País, em conseqüência da não-aplicação de princípios constitucionais por parte do Poder Executivo, e da contemplação desse fato pelo Poder Judiciário, ao qual incumbiria se impor ante as ofensas que sofre, e punir de forma exemplar aqueles que as praticam.

 

Não é o que ocorre. A passividade de todos e a ilusória compaixão para com o MST e seus integrantes levar-nos-á a todos em pouco tempo a impasse institucional grave. É o horizonte que se delineia, por mais que todos queiramos que a reforma agrária se processe de forma pacífica e legal. A intranqüilidade no campo está a exigir, de pronto, respostas de todos nós. O retrocesso que se quer impor de forma violenta e arbitrária atinge a todos e, fundamentalmente, aos princípios democráticos e o Estado de Direito. A passividade de todos perante invasões, adredemente preparadas e alardeadas com antecedência, não se justifica. Os mandados de reintegração de posse não cumpridos pelos governadores fazem de todos os advogados ridículos portadores de um pedaço de papel que nada vale. É como se vivêssemos de forma surrealista, ao redor da lei. Pergunta-se: de que vale uma decisão judicial quando um desembargador do TRF vem a público para formular teoria que é um retrocesso jurídico, nos dias atuais, em que pretende justificar o MST, suas invasões e seu desacato à Justiça que ele próprio deveria representar? Decerto esqueceu-se do fato e perdeu uma ótima oportunidade de se calar. O artigo publicado pode muito bem ser rebatido, com as próprias fontes que cita, como terei, em outra ocasião, oportunidade de fazê-lo. Esquece-se do que significa mandamento judicial.

 

Por ordem judicial, observa Levandowski, segundo Pontes de Miranda, deve-se entender qualquer resolução que se haja de executar. Na verdade, uma ordem consiste numa determinação assinalada por um tribunal ou magistrado, dentro ou fora de uma lide, para que se faça ou deixe de fazer algo, ao passo que uma decisão constitui o derradeiro ato de um processo colocando fim a uma demanda, em que se atribui razão a uma das partes. Ambas são de observância compulsória, compreendendo todas as espécies de pronunciamento judicial.

 

"As autoridades competentes das unidades federadas estão obrigadas não só a obedecer estritamente as ordens e decisões judiciais, de que sejam destinatárias, como também a dar-lhes sustentação, quando dirigidas a terceiros, com o auxílio de força policial, se necessário." (Pressupostos Materiais e Formais da Intervenção Federal, p. 104.)

 

Ao não cumprir estes mandados, sujeitam-se, ou, deveriam sujeitar-se, os governadores, que assim agem, à intervenção federal em seus Estados, bem como à tipificação criminal, medida que, continuamente, sugeriram e sugerem os Ministros-Presidentes do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Melo; do Superior Tribunal de Justiça, Paulo da Costa Leite, e agora o Ministro Nílson Naves, conforme se depreendem das seguintes declarações efetuadas pelo primeiro ao jornal O Estado de São Paulo: "Nosso papel é resguardar o cumprimento da lei, e não a observância de políticas governamentais." O segundo, quando no exercício da Presidência, em congresso da Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica, realizado em Porto Velho, assim se manifestou: "Não cumprir decisão judicial será considerado improbidade administrativa, inclusive tornando o administrador inelegível".

 

"Nada pode ser mais nefasto que uma ordem judicial não cumprida, pois isso desacredita e desmoraliza o Poder Judiciário junto à população. É necessário achar mecanismos eficazes para que isso não aconteça. As decisões judiciais têm, necessariamente, que ser cumpridas."

 

"O caminho é a tipificação criminal e também no plano da improbidade administrativa, tendo em vista que o instituto constitucional da intervenção federal tem sido ineficaz, o que é demonstrável pelo número de processos de intervenção já apreciados tanto pelo Supremo Tribunal Federal como pelo Superior Tribunal de Justiça."

 

O terceiro, atual Ministro-Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Nílson Naves, também assim se manifestou recentemente, acolhendo o rumo dado pelo ex-presidente ex-ministro Paulo Costa Leite. Ambos salientam a necessidade de tipificar criminalmente a omissão dos governantes de plantão.

 

Acho que o caminho legal seria a tipificação criminal, e quando nela falo, deixo claro que os administradores públicos incorrem em crimes políticos e comuns, mas o Ministério Público Federal até hoje assim não acha, tendo sempre solicitado perante o STJ em casos análogos o arquivamento das representações apresentadas subsidiariamente aos ministros-relatores.

 

Nenhuma providência é solicitada nesses casos pelo Ministério Público, que se omite.

 

É a crise do poder. Mas o pior nesta crise que se aprofunda é que basta elevar-se acima do cotidiano para se ter consciência, com horror, da rapidez com que abandonamos posições que antes jamais podíamos deixar; coisas que a consciência social ontem considerava como indecentes são costumeiramente desculpadas, para amanhã podê-las seguramente aceitar como naturais, e quiçá, depois de amanhã, como decência exemplar. Hoje aceitamos sem nenhum assombro, como uma realidade, coisas que ontem dizíamos que nunca nos acostumaríamos a elas ou que considerávamos impossível de aceitar. E, pelo contrário, hoje consideramos como um ideal inacessível algo que, faz pouco, nos resultava evidente.

 

As transformações da medida do natural e normal e o desfazimento no sentido moral, surgido no curso dos últimos anos na sociedade, resultam maiores do que possa parecer à primeira vista. E, nos causa um certo espanto e torpor a capacidade de se dar conta deste embrutecimento e de como ele se desenvolve.

 

É como se a enfermidade caísse das folhas e os frutos ao tronco e raízes. Por isso existe a inquietude que se apresenta no setor de perspectivas oferecidas pelo presente.

 

É um mundo de proibições, limitações, medidas provisórias. Um mundo no qual se entende por política principalmente, polícia cultural, velada, mas que caminha a passos largos. Nos dias atuais no Brasil a crença em ideais liberais, ou neoliberais, ou individualismo implica exclusão de qualquer um da sociedade. É a política cultural que aos poucos se foi arraigando nos escalões governamentais.

 

Não há como o Poder Judiciário tolerar o desrespeito às suas decisões. Em sua tolerância ele está apenas colaborando para que se instaure o regime de impunidade à quebra dos princípios legais, em outras palavras ele torna legítimo o ato ilegítimo, e sabido é que o poder de administração e o poder políticodevem ser exercidos sempre com legitimidade e respeito aos direitos individuais.

 

"Dentre estes limites que, se não impedem, pelo menos dificultam o abuso, está o Direito". (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, A Democracia no Limiar do Século XXI, p. 95.)

 

Seria, por assim dizer, como no entender de um ex­governador sempre injustamente execrado pela esquerda pátria. "O governante é uma espécie de oficial de bombeiros. Cumpre-lhe reconhecer que o fogo é inevitável, mas cumpre-lhe reconhecer que o próprio fogo tem seus limites e se, de elemento da conservação da vida, se transforma em elemento de destruição, cumpre ao governante como ao bombeiro interferir para lançar-Ihe com audácia, a água da prudência" (Carlos Lacerda).

 

No caso do MST, não está em jogo a função social do Poder, e muito menos a Reforma Agrária, que se desenvolve a trancos e barrancos, mas a legitimidade deste Poder em acolher e estimular como vem fazendo os atos eivados de ilegitimidade que pratica sem qualquer punibilidade.

 

Pergunta-se? Como se isentar de responsabilidade criminal aquele que vem a público e determina invasões de terra e saques? Trata-se de verdadeira quadrilha que tenta organizar a massa, sob o crivo de algumas idéias novas que começaram a varrer princípios antes tidos como intocáveis; como o respeito à ordem jurídica legalmente estabelecida, ao direito de propriedade, à inviolabilidade de domicílio, e outros de igual teor. Tais preceitos passaram a ser ignorados por esses grupos que fazem questão, não apenas de afirmar seu inconformismo com o Direito em vigor, mas também de proclamar que devem e podem remover todos embaraços que esse Direito opuser a suas reivindicações. Tendo por cenário a reforma agrária os dirigentes desses grupos elegem seus próprios meios, a forma de utilizá-los, e a oportunidade para a ação. Evidentemente, contam com a complacência das autoridades, pois anunciam com antecedência a ilegalidade que praticarão, ou determinam saques, que aconteceu publicamente. Nada ocorre, nenhum indiciamento destes títeres é feito.

 

A impunidade generalizou-se. E atrevo-me a dizer que crime organizado tem de ser punido rapidamente. Veja-se o exemplo da criação do Comando Vermelho, que se originou da mescla de presos comuns com presos políticos na época do regime militar. Se houvesse sido combatido em seu início, não teríamos o problema de segurança que temos hoje em todo o País. O mesmo ocorre com o MST, que ainda que viva acima da lei, é hoje um grupo sem nenhuma legalidade, mas que é paraestatal, pois vive às custas do dinheiro que o Estado envia aos assentados e suas cooperativas. Chega-se, então, à conclusão infeliz de que estas verbas públicas não foram até hoje fiscalizadas.

 

O professor Zander Navarro, da UFRGS, quando afirma que o MST não deseja que todas as suas reivindicações sejam aceitas e solucionadas, pois que se isso ocorresse seus funcionários-militantes, que dependem da vitalidade financeira do Movimento, não teriam recursos para sua mantença. Não são mais sem-terra nem mesmo agricultores, embora possam ter alguma parcela de terra em algum assentamento. São, de fato, profissionais da política. O mais trágico, e às vezes patético, é que há milhares de pessoas que acreditam piamente que seus militantes são politicamente imaculados e apenas lutam por uma real efetivação da reforma agrária no Brasil. Há o MST de seus dirigentes-militantes, o qual, por várias razões, representa atualmente um dos maiores equívocos políticos em nosso país e perdeu inteiramente seu norte estratégico.

 

Quando Marienhof diz que "Lo relacionado com la responsabilidad extra contratual del Estado por las consecuencias dañosas derivadas de comportamento omisivo suyos, tiene particular repercusión em todo lo vinculado com el ejercicio del ‘Poder de Polícia’ que, em general compreende la regulación de los derechos cuja possibilidad concreta de ejercelos está a cargo del Estado, quien los garantiza y assegura."

 

Os Direitos do proprietário assim deveriam estar garantidos e assegurados pelo Estado, que deve se preocupar em cumprir os mandamentos constitucionais e legais para a consecução da tão almejada reforma agrária, que até agora sugou apenas vinte e cinco bilhões de reais, para nenhuma produção a não ser a de subsistência. Ou seja, a miséria continuou para quem foi assentado.

 

O que causa intranqüilidade é o medo de que os proprietários de áreas produtivas estão possuídos, e se o acirramento ocorrer, decerto o campo se desorganizará, e é isto o que parecem querer os membros do MST, alguns até mesmo no Poder. O meio rural enfraquecido e as empresas agrícolas enfraquecidas são prato cheio para os perturbadores da ordem de plantão, que é o que os líderes do "movimento social" mais almejam: a desordem. A ninguém é lícito supor que o Movimento não tem influído na queda de produção. Se "recordes" são batidos, podem todos estar certos de que a produção seria maior, se a lei fosse cumprida por parte das autoridades.

 

A Constituição Federal de 1988 diz em seu artigo 37: "A Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade...", e em seu § 6° determina que as pessoas jurídicas de Direito Público e as de direito privado que prestam serviços responderão por seus atos civil e criminalmente.

 

Para que as autoridades eleitas se safem da responsabilidade cria-se, então, discutida categoria de agentes públicos políticos, distinguindo-os dos servidores públicos de carreira. Creio que não é esta a orientação emanada da Constituição Federal, segundo a qual, se assim fosse, além do foro especial, isso teria determinado.

 

Os "agentes políticos" não se distinguem dos agentes públicos, servidores de carreira, ou autárquicos.

 

Ora, tudo o que determina o artigo 37 da CF não é cumprido nessa questão de invasões, pois que o Estado opera de forma ilegítima no mais das vezes, tendo em vista o "movimento social". Se bem atentarmos, este movimento social aproxima-se, em seu início, à solidariedade que todos deram aos presos comuns, por suas míseras condições inumanas. Criou-se uma auréola de santidade em criminosos de altíssima periculosidade, e deu no que deu. Hoje, toda a Nação terá de forçosamente se irmanar no combate à criminalidade, e superar os erros cometidos pelas autoridades públicas. Que não se impute ao Judiciário o caos que se instaurou, e sim aos "agentes políticos", que, para nossa infelicidade, continuarão errando, basta ver o deslocamento contínuo de preso famoso, que deveria simplesmente cumprir sua pena no Rio de Janeiro, conforme determina a lei.

 

O MST não difere muito. As suas atividades afrontam as leis, com total tolerância de nossas autoridades. Em suma, o Direito passa a ser regido por interesses de grupo que, constituindo o governo, dominam o Estado não pelas regras da razão. O Estado brasileiro hoje já se parece muito mais com um Estado totalitário do que com uma estrutura democrática. Em nome da massa inorganizada ou arregimentada em grupos rigorosamente controlados, como o MST, pelo monopólio do Estado, em crédito, péssima educação, pelo descrédito dos poderes, tem-se negado ao povo consciente o poder de fazer sentir a sua verdadeira vontade, a sua sincera opinião.

 

Não se pode usar a liberdade, exercer direitos, reivindicar as prerrogativas sem que se exerça, de modo ora sutil, ora brutal, mas sempre odioso, a força do poder supremo, que se diviniza em nome da pátria e da Constituição.

 

O amor às leis e à pátria de que fala Montesquieu (L’Esprit des Lois, livro IV, cap. V) é o caminho que temos de trilhar para atingirmos a legalidade e, conseqüentemente, a legitimidade do Governo.

 

Faz-se mister, então, reagirmos contra amoralismos e internacionalismos ultrapassados, que tiram do povo o devotamento a tudo que é legal e legítimo. Não pode haver tolerância à prática de atos ilegais por qualquer do povo e por autoridades públicas, sob pena de todos colaborarmos com o esfacelamento do Estado.

 

Não é justo que o caos instalado e acentuado nos dias atuais no setor agrário fique impune. Não é justo também que as autoridades públicas que concorreram decisivamente para isso continuem impunes, e somente a coletividade responda. Sabido é que atos ilícitos podem e devem ser ressarcidos por quem os praticou, pois o Estado será responsabilizado pelos prejuízos a que deu causa por sua inação.

 

Nada melhor que terminarmos com Platão quando, em seu Criton, dizia: "Pensas que possa existir um Estado sem lei, ou que as leis não sejam destruídas e aniquiladas, quando julgados não têm força, quando cada qual as possa violar, subtraindo-lhes a execução?" E completa Rui Barbosa ao analisar o texto: "Há cerca de vinte e quatro séculos que isto ensinava o filho de Ariston, e, obra de dois mil e quatrocentos anos depois, se com esse critério quisermos avaliar certas democracias, como a nossa, acharemos que os seus governos ainda se embeberam destas milenares vulgaridades, ainda não se convenceram de que a Justiça é a essência do Estado".